sábado, 23 de janeiro de 2010

Olga Savary



Acomodação do desejo


I

Dos que se amam na cama rente às nuvens,
nestes jardins ferozes, vê-se que amanhecem.
Nela, anca e espáduas eram como água.
Nele, tudo semelhante à terra. Seus corpos:
êxtase e terror dos deuses.
Que o comova o silêncio de seu corpo morno,
o fragor mudo do seu corpo desabado.
E que ela se abra como se abre uma urna
que se abre não revelando o conteúdo.


II

Deito-me como quem é livre à beira dos abismos
e estou perto do meu desejo.

Depois do silêncio úmido dos lugares de pedra,
dos lugares de água, dos regatos perdidos,
lá onde morremos de um vago êxtase,
de uma requintada barbárie estávamos morrendo,
lá onde meus pés estavam na água
e meu coração sob meus pés,
se seguisses minhas pegadas
e ao êxtase me seguisses
até morrermos, uma tal morte
seria digna de ser morrida.

Então morramos dessa breve morte lenta,
cadenciada, rude, dessa morte lúdica.


Olga Savary
Belém - PA (1933)

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