terça-feira, 13 de outubro de 2009

Jorge de Lima



A cabeça é uma lanterna



Leva a tua cabeça mesmo arrancada do tronco para a filha da mulher de Herodes
ou passeia com ela suspensa aos teus dedos como uma lanterna
que indicará aos teus pés o caminho apagado.

Vê que ela olha as tuas mãos culpadas, os instintos que tremem
pelo teu corpo todo, o despudor dos teus gestos
e as cicatrizes das deserções que há nas tuas pernas.

Quando cansares, senta-te nela como numa pedra boa, pede que ela beba
o vinho que te mate a sede, pede que ela coma pão para nutrir teus membros.
Além de teu guia, ela é teu alimento.

Se cansares outra vez, já de noite, põe as mãos ardentes sobre ela
que ela te levará em sonhos, por uma escada comprida para o céu.
Pede que diga palavras fortes que encorajem teu peito;
ó corpo suado e bruto, a tua cabeça é o testemunho
dos constantes desfalecimentos dos teus membros, dos teu tombos, dos teus passos errados,
e entretanto são as mãos que se lavam de suas próprias culpas,
e a cabeça é que chora, é que leva as mãos para rezar, é que sonha,
é que vê a fraqueza do corpo corruptível e se coroa de espinhos para redimi-lo.


Jorge de Lima
União dos Palmares - AL
(23/4/1895 – 15/11/1953)

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