quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Miguel Jorge


No mar nenhum barco


Os amores são largos e longos e não cabem nas cartas.
A noite lenta fere de faca a luz cega do medo.
Indiferentes, as borboletas são anjos vestidos de prata.
Assim, os musgos vão cobrindo de vermelho os moluscos
dentro das caixas.
São do domingo os escargots, lentas flores, colocadas sobre
bandejas de prata.

Talvez não se possa evitar a falta de pão, reflexos da ira,
a dor que não quer se dar aos filhos.
Dormem as naves sobre as janelas do mar, talvez um barco,
igual a um barco, indo além do mar, brasa da alma. (Baco
num riso igual a um risco de língua nas bocas.)

Igual a um casaco de frio que se pendura detrás da porta.
Igual às ondas a testemunhar as rosas se desfazendo no branco
laço das águas.
(A noite carrega os diamantes no impacto do chão que se faz
cinza).

Se viam roucas as Américas, a constituição dos ventos cobrindo
lábios muito finos. Estrelas ostentam um festim ameno de
vozes. Os ratos, os gatos, o nojo anunciado. O gozo desfeito
em nada. se põem de lado, ainda mais quando do céu se
toma lei e posse de secretos códigos.


Miguel Jorge
Campo Grande - MS (1933)

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