quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Francisco Perna Filho



Aboio


Oh, Jerusalém!
A palestina sangra na menina dos teus olhos.
E pálida fica a tarde aturdida pelos canhões
amortecidos nos corpos espalhados pelo rio dos meus sentimentos.

Sentir o arranque do carro,
a distância da bala consumida pelo peito inocente da menina que vende flores em Copacabana.

Praga se faz aqui,
E em toda primavera nos sentimos invadidos
pelos soldados da incompreensão,
que marcham enraivecidos como os canhões na praça vermelha;
como os pássaros nas torres gêmeas;
quando as suas caras pálidas transbordam incertezas,
soldados que estão na própria máquina que conduzem.
Deuses do próprio umbigo,
amaldiçoados em rastros de ferro e fogo.

Famintos,
Os governantes desconhecem as águas na quais se banham.
Infelizes, não se comovem com o aboio da terra maltratada,
estriada, ressequida.

Infames, são a pura erva que mata o gado que somos.
Muitas outras dores passam a largo,
E não há remédio que possa acalmá-las.
Muitos outros gritos repercutem,
Como a mulher que grita desesperada
Pelas ruas de Bagdá.

Cavalos marcham em disparada.
Fora os ídolos!
Somente a idéia dos reis em marcha,
Os santos quebrados a cada um que se desfaz.

As aldeias estão às escuras,
A estrela não brilha mais,
E os homens gravitam no velho ábaco.

Olvidados o grito da terra,
Os sons metálicos das dores milenares,
e a menina órfã é rasgada como brinquedo de exploradores,
tão sedentos como os senhores da guerra.
Cravam-nas, as lanças, fardo de suas misérias capitalistas,
no corpo ingênuo da menina
de pernas finas,
bracinhos frágeis,
ventre deformado,
gestando o martírio de cana e etanol.

Oh, malditos!
Cearão a lama que produzem,
Nadarão nos tanques dos seus martírios.
Depois, embriagados chorarão a fome
A miséria da alma,
Os sons da fúria de uma cegueira ensaiada.

Oh, infames!
Visionários da própria destruição.
Acestarão os seus olhos para além do que podem entender,
E não enxergarão nada mais do que terra degradada,
Silêncio em decomposição,
Saudade e desmantelo
Na dor profunda do cerrado que se desintegra.


Francisco Perna Filho
Miracema do Norte – TO (1963)

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