Foto: Ricardo Prado
A casa dos meus quarenta anos
Assim é a casa dos meus quarenta anos,
assombrada e sóbria como um bacurau.
Em seus largos cômodos,
habitam uma enorme solidão
e muitas vontades de vida.
É noite e estou em meu quarto
urdindo meus infinitos à eternidade.
Eu – apenas eu – eu.
Lá fora, uma sinfonia de questionamentos:
grilos, sapos, rãs na sua intermitente litania
enlouquecem meus fantasmas.
A minha casa, às três horas da madrugada,
tem os olhos bem abertos – esbugalhados sertões –
e os seus fantasmas, somatórios do eu,
vão se arrumando do jeito que podem.
Um, no quarto ao lado,
implora para que desatem o nó da forca.
Não suporta mais as folhas da algarobeira
chorando o seu destino.
No quarto do outro lado,
outro choraminga suas dores, suas pernas quebradas,
o sangue escorrendo para o nada
(esse espectro dói demais e a sua grande
novidade é saber que vai morrer).
No quarto derradeiro,
os morcegos dormem sossegadamente
e seu mundo não é de cabeça para baixo.
No quarto derradeiro da casa dos meus quarenta anos,
os morcegos adubam o terreno e aguardam a chegada
de mais um dia, de mais um ano.
E assim, no bater das asas do galo pedrês,
o choro do recém-nascido.
E de dia a casa dos meus quarenta anos
é cheia de janelas azuis abertas para o azul.
E uma multidão de ventos vem assobiar dentro dela,
vem renovar os ares, sacudir os quadros nas paredes,
jogar meus retratos pelo chão.
Ventos dadaístas
a remexer nos meus poemas, mudar seus versos,
rearrumar suas estrofes.
E o dia vai crescendo com uma claridade medonha,
e as telhas da minha casa abrem os olhos
e olham para o alto e se benzem e dizem amém
(cada telha da casa dos meus quarenta anos
é um olho aceso espiando dentro de suas cores).
E há momentos em que tudo que é bicho se cala
e a casa mais parece um cemitério.
A casa dos meus quarenta anos é caiada de branco
e tem janelas azuis abertas para o azul.
A casa dos meus quarenta anos – cemitério de ilusões.
José Inácio Vieira de Melo
Olho d'Água do Pai Mané - AL (1968)
Assim é a casa dos meus quarenta anos,
assombrada e sóbria como um bacurau.
Em seus largos cômodos,
habitam uma enorme solidão
e muitas vontades de vida.
É noite e estou em meu quarto
urdindo meus infinitos à eternidade.
Eu – apenas eu – eu.
Lá fora, uma sinfonia de questionamentos:
grilos, sapos, rãs na sua intermitente litania
enlouquecem meus fantasmas.
A minha casa, às três horas da madrugada,
tem os olhos bem abertos – esbugalhados sertões –
e os seus fantasmas, somatórios do eu,
vão se arrumando do jeito que podem.
Um, no quarto ao lado,
implora para que desatem o nó da forca.
Não suporta mais as folhas da algarobeira
chorando o seu destino.
No quarto do outro lado,
outro choraminga suas dores, suas pernas quebradas,
o sangue escorrendo para o nada
(esse espectro dói demais e a sua grande
novidade é saber que vai morrer).
No quarto derradeiro,
os morcegos dormem sossegadamente
e seu mundo não é de cabeça para baixo.
No quarto derradeiro da casa dos meus quarenta anos,
os morcegos adubam o terreno e aguardam a chegada
de mais um dia, de mais um ano.
E assim, no bater das asas do galo pedrês,
o choro do recém-nascido.
E de dia a casa dos meus quarenta anos
é cheia de janelas azuis abertas para o azul.
E uma multidão de ventos vem assobiar dentro dela,
vem renovar os ares, sacudir os quadros nas paredes,
jogar meus retratos pelo chão.
Ventos dadaístas
a remexer nos meus poemas, mudar seus versos,
rearrumar suas estrofes.
E o dia vai crescendo com uma claridade medonha,
e as telhas da minha casa abrem os olhos
e olham para o alto e se benzem e dizem amém
(cada telha da casa dos meus quarenta anos
é um olho aceso espiando dentro de suas cores).
E há momentos em que tudo que é bicho se cala
e a casa mais parece um cemitério.
A casa dos meus quarenta anos é caiada de branco
e tem janelas azuis abertas para o azul.
A casa dos meus quarenta anos – cemitério de ilusões.
José Inácio Vieira de Melo
Olho d'Água do Pai Mané - AL (1968)
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