domingo, 4 de julho de 2010

Roberto Piva


A piedade


Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na
extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida

as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos
sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me
fariam perguntas por que navio boia? Por que prego afunda?

eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de
fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou
barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho
todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos pavimentos
Os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através dos meus sonhos


Roberto Piva
São Paulo – SP
(25/09/1937 – 04/07/2010)

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